Stellio SeabraQuando o arquiteto Stellio Rodolpho Bastos Seabra, aos 29 anos, colocou os pés em Brasília no dia 25 de Junho de 1961, sentiu imediata atração pela cidade que começava a existir, por seus horizontes abertos e pelo céu muito azul, sem nuvens. Ainda hoje lembra a sensação agradável do primeiro contato. No dia seguinte, às seis horas da manhã, uma kombi o levou, ao lado de outros profissionais, para o espaço onde estava sendo erguida a Superquadra Sul 308. A escola classe já existia mas os blocos não passavam das fundações.

Paulista de Monte Azul Paulista, Stellio foi para o Rio de Janeiro aos 18 anos. Concluída a universidade, fez concurso para o Banco do Brasil e obteve uma vaga como escriturário. Candidatou-se para trabalhar em Brasília e, ao conseguir, foi transferido para o Departamento de Engenharia: "Uma época extraordinariamente bonita, a sensação era a de que as pessoas queriam contato, amizade, convivência estreita. Trabalhar aqui era uma maravilha e, ainda por cima, o céu lembrava o da minha cidade", diz ele.

Dos primeiros tempos, algumas recordações são insistentes, a exemplo da alegria no canteiro de obras que contaminava todo mundo, o frio de doer do primeiro inverno, o eixão vazio e os carros trafegando apenas pelos eixinhos, a Avenida W-3 Sul disputada e importante, com o Cine Cultura e dois restaurantes, o do GTB ( Grupo de Trabalho de Brasília) e o Roma, a presença forte do primeiro maître, Francisco Galliardi, a Avenida L-2 Sul quase deserta, e a loucura do trabalho que começava cedo e não tinha hora para terminar.

O Banco do Brasil teve autonomia absoluta na construção da 308 que virou a quadra-modelo do Plano Piloto. Os projetos foram feitos no Rio de Janeiro e o urbanismo e o paisagismo ficaram por conta de Roberto Burle Marx. O BB contratou algumas empreiteiras para a obra e decidiu que seus arquitetos e engenheiros, quase 30 profissionais, fariam o trabalho de fiscalização de cerca de 110 mil metros quadrados de construção. Indicou também o engenheiro Ismael Magalhães Mendes como chefe da quadra: "Uma obra gigantesca", resume Stellio.

Além do salário e da meia dobradinha, que trocando em miúdos significava um salário e meio para seus funcionários, O Banco do Brasil construiu um alojamento no espaço onde se situa hoje a SQS 303: "Uma beleza, melhor do que hotel. Eram onze prédios térreos, todos de madeira, com quartos e banheiros, que nós chamávamos de lâminas. No centro, restaurante, barbearia, cinema, pista de dança, quadra de vôlei e basquete. No início, só homens. Depois vieram as famílias. Saí de lá quase três anos depois quando começou a desativação e fui o primeiro morador do bloco A da 308", relembra Stellio.

Naquela época, havia muito trabalho para pouca gente, em especial para o pessoal técnico. Até mestre-de-obra faltava. Então, os profissionais acabavam comissionados, como se dizia na época. Ou seja, pegavam serviços em outros dois ou três lugares, sendo ou não servidores públicos, o que aumentava o saldo da conta bancária o tempo todo. E a burocracia não possuía tanta força. Stellio conta, por exemplo, que telefonava para a Novacap e pedia um trator ou uma motoniveladora e, sem carimbo ou assinatura, chegava na obra até depressa. Para completar, o Banco do Brasil não regateava despesa e sempre deixou claro: o mais importante era a SQS 308 pronta.

Mas houve problemas também, claro. Uma vez, as garagens dos blocos viram a água da chuva chegar a um metro do teto. O material ali guardado, depois de muito boiar, foi todo perdido, o que significou enorme prejuízo para o banco. É que as bocas de lobo, que permitem o escoamento das águas pluviais, ainda não estavam construídas. No bloco C, houve uma falha na estrutura da fundação, a garagem foi escorada às pressas e o necessário reforço ficou pronto dias depois. Mas chegou a assustar quando cedeu um pouco.

Stellio se interessou vivamente pelo trabalho de Burle Marx, que levou a uma mudança no conceito do jardim. As folhagens ganharam destaque e, para uma planta pequenina, o mestre fazia uma espécie de pedestal para realçá-la. Aliás, espécies muito simples e pouco valorizadas viravam ouro nas mãos dele: "O chão parecia uma pintura", diz um Stellio ainda admirado. As escadas, mini pontes e calçadas, todas harmoniosas entre si, conferiram uma beleza que nenhuma outra superquadra ganhou. Mais: Burle Marx mostrou seu espírito ecológico precoce pois, no laguinho da 308, reservou um espaço mais fundo para o alojamento dos peixes durante a troca da água, de modo a preservá-los de eventuais problemas. E usou mini vitórias régias, lindas: "Ainda hoje aplico a sapiência dele", revela o arquiteto.

Mas o orgulho maior de Stellio é o Jardim da Infância, projeto seu. Inovou quando desenhou os banheiros dentro do espaço das salas de aula, o que passou desde então a ser repetido em outras escolas por facilitar o controle das crianças. Fiscalizou a obra do princípio ao fim, optou por materiais de manutenção e troca fácil, e ficou envaidecido quando a rainha Elizabeth e o príncipe Philip conheceram o local. Projetou também a urbanização que dá frente para a SQS 108 e a que faz fronteira com a igrejinha.

Ao olhar hoje para trás, o arquiteto Stellio sente carinho por esse tempo, quando se percebia como peça de uma construção que rotula de maravilhosa: "Me honra muito", sublinha. Honroso também o fato de ter sido um dos primeiros cantores da noite de Brasília, que nas reuniões de amigos soltava a voz em um samba-canção, uma valsa, um bolero do nosso cancioneiro popular, recolhendo palmas do grupo que transformou a SQS 308 em realidade.

Stéllio Seabra compartilhou seu arquiivo de fotos. Veja aqui!